segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sob o Domínio do Cargo

Após anos de preparação profissional e dedicação ao trabalho, enfim chegou o grande dia do reconhecimento – a promoção para exercer um cargo de direção.

Orgulhosamente a pessoa passa a se apresentar envaidecida com o título nobiliárquico tal qual o pavão se apresenta com sua majestosa plumagem à sua pretendente.

A pessoa se empenha em desenvolver um trabalho de excelência e de muitos resultados para render-lhe elogios e admiração de todos, com o objetivo de construir uma imagem de sucesso para se sentir pessoa especial e aceita no sistema social.

Jornada de trabalho de 12 horas ou até mais, estresse elevado e falta de tempo para a família e para o próprio cuidado passam a ser normais no seu dia a dia.

Como forma de recompensar sua prolongada ausência, compra uma série de bens materiais para os seus familiares e para si mesma, tornando-se cada vez mais constate o presente no lugar do afago. A casa fica cheia de objetos caros e de última geração, mas o coração fica vazio de amor pela falta de convivência com os seus entes queridos.

O que deveria ser uma recompensa passa a ser uma fonte de angústia. A necessidade criada de manter o padrão de vida elevado da sua família como contrapartida de sua ausência faz com que a pessoa não consiga mais se desvincular do contracheque recheado de dindim acompanhado das pompas do papel de gente importante exercido.

Não obstante não existir nenhuma grade, a pessoa torna-se prisioneiro materialista. Ela acredita que o seu valor para a sociedade esteja naquilo que faz e pelo que tem e não pelo o que ela é.

Quando a pessoa pensa em si mesma como algo separado do outro, cria uma espécie de ilusão de ótica da consciência, projetando os desejos pessoais, conceitos e afetos nas expectativas das pessoas mais próximas, gerando cisão com o seu eu interno, pois no final das contas a pessoa não consegue satisfazer os outros e muito menos a ela mesma, pois no fundo, o que ela queria mesmo era ser amada e aceita pelos outros como ela é.

O trabalho converte a pessoa numa ilha cercada de medos e de conflitos internos. Faltando-lhe coragem, vontade, motivo e força para enfrentar o medo da perda material e da perda de admiração dos outros, ela se recusa a mudar essa situação.

O seu ser fica paralisado e as ações centradas em manter o status quo, armando-se até os dentes para defender aquilo que julga possuir. Torna-se uma pessoa frustrada por ver que ser quem se “gostaria” de ser não é exatamente quem se é.

Para amenizar sua dor e confortar o seu ego, a pessoa diz que o sacrifício pessoal é em virtude da família. Essa justificativa é suficiente para que a pessoa permaneça num lugar contra a sua vontade e emita uma imagem de um ser superior, apesar de se sentir como um verme interiormente, deixando a vida se esvaziar entre os dedos para manter-se numa segurança de uma vida forjada sobre o falso sucesso nutrido pelo ego.

A transferência da responsabilidade da escolha do caminho de vida para a família tira-lhe das mãos as oportunidades que tem de transformar-se num ser melhor, uma vez que ela não sabe o que fazer, não sabe o que quer ser e não dá o mínimo valor ao que já é.

Posicionando-se como mera espectadora, assistindo a tudo de “camarote”, deixando que tudo aconteça diante aos olhos sem sequer mover-se para mudar, a pessoa deixa a vida percorrer caminhos tortuosos que levem ao caos interno e a falta de sentido de vida, bem como carrega fardos enormes de desesperança no seu ser.

A vida é feita de escolhas. O dia a dia exige a tomada de uma série de decisões, desde a mais simples: como que roupa usar até a mais complexa de ser em detrimento de ter. E cada um é responsável pelas suas conseqüências boas ou ruins, principalmente se não agir e transferir a responsabilidade de viver a sua vida a outrem.

Na sociedade capitalista, todos nós vivemos um terrível dilema diário entre o ter e o ser. Qual irá predominar, dependerá do tipo de pensamento que nós tivermos acerca de nós mesmos e das ações dele advindas.

É preciso coragem de olhar para dentro e reconhecer-se plenamente sob o olhar da sinceridade sem estar preocupado com o que os outros pensam ao seu respeito.

Trata-se de tarefa Hercúlea livrar-se da ilusão do ego, ampliar o horizonte de compreensão da vida, para que ele abranja toda a natureza humana em sua essência e beleza. Apesar de ser quase impossível conseguir alcançar o objetivo, o tentar já é por si só parte da libertação e a primeira pedra na construção do alicerce da paz de espírito.

Cada um vive a vida que julga melhor pra si, fazendo a escolha do caminho a ser percorrido rumo à concretização dos sonhos e da felicidade. Por isso não se deve aceitar as coisas como simplesmente são, não se deve calar a voz do coração, não se deve parar quando há caminho a seguir, e principalmente não se deve desistir de se amar e nutrir a alma. É preciso viver a vida para se sentir vivo.

Como diz o provérbio grego, é preferível ser dono de uma moeda do que escravo de duas.

Um comentário:

  1. Olá Rose,
    Muito legal essa sua produção, em termos de conteúdo, principalmente, mas o visual ficou 10.
    bjs.
    Mauricio Alves

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