Na tela da minha
memória, encontram-se registradas cenas da minha infância que exalam cheiro de
saudades dos tempos em que vivi com meus pais e irmãos de onde até hoje ecoam gostosas
gargalhadas de crianças inocentes que coloriram e encheram a casa de alegria de
viver.
Até os meus 6 anos
de idade, só tenho vagas lembranças de quando eu morava no Cruzeiro Novo e logo
após em Sobradinho. Mas, desde o dia 06 de maio de 1975, dia em que também
comemoramos o nascimento de meu pai, essas lembranças não só aumentaram como
também foram mais bem capturadas pelas lentes cinematográficas do meu cérebro,
garantindo uma boa reprodução do meu filme da vida.
A nossa casa, edificada
na solidez dos princípios e valores familiares de meus pais, era o nosso verdadeiro
lar-santuário. Ela era um barraco bastante modesto, mas bem cuidado por todos
nós, cujas atividades eram realizadas de acordo com a idade e sexo de cada um. Quanto
mais velhos ficávamos, maiores eram as nossas responsabilidades para com as
atividades domésticas e de cuidados com os menores. Acredito que isso fez com
que ficássemos bem preparados para assumirmos a responsabilidade de administrar
bem uma casa e a nossa vida em todas as suas dimensões.
A casa não era nem
grande e nem pequena, mas tão somente suficiente para acomodar a todos nós 8 (pai,
mãe, 5 filhas e 1 filho) que lá morávamos. Possuía um amplo quintal cercado por
estacas de madeira, onde podíamos nos divertir à vontade segundo a nossa
imaginação e saborearmos das frutas da mangueira, do abacateiro, da pitangueira
e da goiabeira. Só limpá-lo que não era muito bom. Frequentemente ele ficava
coberto por folhas que necessitavam ser rasteladas e queimadas, aumentando o
tempo de cumprimento da obrigação e diminuindo o tempo da diversão...
A todo o momento,
após o cumprimento de nossos deveres, um dos coleguinhas chegava para partilhar um dia de brincadeiras divertidas,
que rendiam sorrisos sinceros e estreitamento dos laços de amizade. Até porque minha
mãe não gostava que ficássemos na rua e nem na casa do vizinho, mas não se
importava se trouxéssemos todos eles para brincarem conosco no nosso quintal...
A nossa infância
não foi o tempo todo um mar de rosas. Lógico que nos deparamos com alguns
problemas financeiros e de desentendimento e tudo àquilo que se tem em uma
família grande, mas todas as coisas ruins foram superadas por todos nós que sempre tivemos um
espírito de equipe e cheios de sentimentos nobres dentro de nossos corações.
A cozinha, além de
servir de local de preparo da comida, era o meu ponto de encontro favorito. Durante
a refeição, a vida podia ser debatida, vivida, sonhada, bem como podíamos degustar
da comida feita pela minha mãe e/ou pai, que mais parecia o manjar dos Deuses. Até
hoje me dá água na boca só de pensar na polenta turbinada com carne de panela,
verduras e legumes que era preparada e servida nos períodos de frio e no feijão
refogado com bastante alho, cujo aroma me fazia flutuar em direção da cozinha.
Troco qualquer banquete por um prato de comida feito em casa. Pena que não
posso mais degustar de algumas delícias que meu pai preparava, pois ele partiu
para sua nova jornada em 2008...
Algumas vezes, sem
avisar, apresentavam-se mais bocas famintas e/ou os nossos coleguinhas eram
convidados para fazerem uma boquinha conosco. Isso fazia com que houvesse a
necessidade de colocar mais água no feijão ou se comer um pouco menos para
poder a comida ser suficiente para todos. Por mais que fosse nos privar de
alguma coisa, tínhamos um enorme prazer de dividir tudo que possuíamos para que
todos pudessem ter o direito de comer pelo menos de um pouco de tudo, saciando
a sua fome.
Não precisava ter
uma ocasião especial para nos reunirmos e nem muito dinheiro, bastando somente
imaginação e querência de ficarmos juntos. Jogar baralho, brincar em cima das
árvores, caçar caju no cerrado, bater papo na varanda ou em volta de uma
fogueira tomando Chapinha, um vinho de quinta categoria comprado por meio da
vaquinha, jogar vôlei, construir carrinho de rolimã e pipa, quebrar vidro para
fazer cerol etc.. Como coração de mãe, as portas da minha casa estavam sempre
abertas para acolher a quem quisesse ser coberto de bem-querer.
E quando havia
evento especial, nós limpávamos a casa e nos preparávamos para a chegada dos
nossos convidados, vestindo a melhor roupa, acompanhada com o sorriso estampado
no rosto e a fragrância de nossas almas perfumadas de alegria por recebê-los em
casa e partilhar do que tínhamos de melhor: o nosso lar.
E o sentimento de
se sentir em casa acompanhou a todos os que compartilharam do aconchego da minha
família. Tanto que, quando meu pai fez sua passagem para a vida espiritual, uma
das coisas que foram ditas e repitas por todos que prestaram suas últimas
homenagens foi o reconhecimento de seu jeito anfitrião de ser de bem receber a
todos. Entre e sinta-se como se estivesse em casa era o seu lema.
Assim não era
necessário sair de casa para encontrar a felicidade, ela estava disponível o
tempo todo ali mesmo para nós. Mesmo, plantada no meio de uma favela, a minha
casa era um rico e fantástico lar cheio de cuidado, respeito, lealdade,
bondade, ajuda mútua, apoio, atenção, boa vontade, prazer e alegria, coração
aberto e muita entrega. Lá a atmosfera do amor era sempre uma constante que
enchia os nossos corações e perfumavam nossa alma, dando a liga para a união de
todos os membros da família e permitindo que se dividissem problemas,
multiplicassem-se alegrias e eliminassem as desavenças.
Vivi em um lugar
mágico que parece não ter mais fim... Lá era possível dar asas a minha
imaginação e brincar de viver. A felicidade provinha normamente do convívio
familiar, das coisas simples e corriqueiras da vida.
Fomos crianças
felizes com tudo o que nós podíamos possuir. Nós não tivemos nada de supérfluo,
mas tão somente tudo aquilo de que nós precisávamos para viver. Vivemos sempre
em abundância, pois soubemos aproveitar tudo àquilo que nossos pais puderam nos
oferecer, muitas vezes à base de enormes sacrifícios pessoais para tornar a
nossa vida um grande parque de diversão.
E quando casei, fiz
questão de trazer para minha nova casa um bocado de coisas que tinha aprendido
na casa dos meus pais, ou seja, que basta está rodeada pela família para me
sentir feliz. E até hoje sinto que não existe no mundo outro lugar melhor do que
a minha casa... Por isso a volta para minha casa sempre é muito prazerosa.
Enfim, a minha infância é uma memória viva.
Basta nos reencontrarmos e começarmos a conversar para que essas lembranças
nostálgicas venham à tona, como um filme,
fazendo-nos reviver os momentos de magia vividos em outrora. As
recordações são de simples travessuras de furar lata de leite condensado e não
deixar quase nada para preparar o pudim de leite, passando pela experiência do
meu irmão de jogar um fósforo aceso dentro da garrafa de álcool e olhar para
ver como é o processo de combustão...
E não nos cansamos
de percorrer o caminho de volta das nossas lembranças até chegarmos ao nosso
tempo de criança. Muitas vezes somos até estimulados pelos nossos filhos e
sobrinhos que gostam de se divertir com os nossos causos, principalmente
contados pelo meu irmão que possui uma veia artística da improvisação e de nos
fazer rir com o seu jeito matreiro de ser.
Espero sinceramente
que os meus filhos passem para os meus netos todo o aprendizado que tiveram a oportunidade
de vivenciar no dia a dia do convívio familiar e de transmitir todo o amor que
receberam de todos nós, dando continuidade às suas raízes e perpetuando a fonte
de felicidade.
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