sexta-feira, 27 de junho de 2014

O Canto do Encontro da Felicidade de Criança


Na tela da minha memória, encontram-se registradas cenas da minha infância que exalam cheiro de saudades dos tempos em que vivi com meus pais e irmãos de onde até hoje ecoam gostosas gargalhadas de crianças inocentes que coloriram e encheram a casa de alegria de viver.
Até os meus 6 anos de idade, só tenho vagas lembranças de quando eu morava no Cruzeiro Novo e logo após em Sobradinho. Mas, desde o dia 06 de maio de 1975, dia em que também comemoramos o nascimento de meu pai, essas lembranças não só aumentaram como também foram mais bem capturadas pelas lentes cinematográficas do meu cérebro, garantindo uma boa reprodução do meu filme da vida.

A nossa casa, edificada na solidez dos princípios e valores familiares de meus pais, era o nosso verdadeiro lar-santuário. Ela era um barraco  bastante modesto, mas bem cuidado por todos nós, cujas atividades eram realizadas de acordo com a idade e sexo de cada um. Quanto mais velhos ficávamos, maiores eram as nossas responsabilidades para com as atividades domésticas e de cuidados com os menores. Acredito que isso fez com que ficássemos bem preparados para assumirmos a responsabilidade de administrar bem uma casa e a nossa vida em todas as suas dimensões.
A casa não era nem grande e nem pequena, mas tão somente suficiente para acomodar a todos nós 8 (pai, mãe, 5 filhas e 1 filho) que lá morávamos. Possuía um amplo quintal cercado por estacas de madeira, onde podíamos nos divertir à vontade segundo a nossa imaginação e saborearmos das frutas da mangueira, do abacateiro, da pitangueira e da goiabeira. Só limpá-lo que não era muito bom. Frequentemente ele ficava coberto por folhas que necessitavam ser rasteladas e queimadas, aumentando o tempo de cumprimento da obrigação e diminuindo o tempo da diversão...
 Suas janelas, durante o dia, eram sempre mantidas abertas, permitindo a entrada de muita luz, circulação do ar nem sempre agradável por causa do chiqueiro do vizinho, e muitas vezes a entrada de um quilo de poeira quando algum carro passava na rua de chão batido. Quando chovia, as gotas tocavam verdadeiras músicas no telhado de zinco, as quais embalavam nossos sonhos infantis e/ou revelavam buracos existentes na telha, exigindo providências imediatas de busca de balde e de conserto posterior. Por não possuir forro, de vez em quando, entravam morcegos, despertando-me verdadeiro terror e a necessidade de meu pai vir ao meu socorro como meu super-herói, afugentando-os e/ou matando-os.
 A celebração da vida se fazia no dia a dia. Só a reunião de todos da família em casa por si só já era uma festa bem barulhenta, tal qual um grupo de maritacas sobre um galho em dia ensolarado. Era impossível se ter silêncio na casa, por isso aprendemos a nos concentrar dentro do barulho. Tínhamos sempre visitas que podiam entrar sem bater e sair antes do nosso toque de recolher para dormir, cujo horário ocorria junto com as galinhas...
A todo o momento, após o cumprimento de nossos deveres, um dos coleguinhas chegava para  partilhar um dia de brincadeiras divertidas, que rendiam sorrisos sinceros e estreitamento dos laços de amizade. Até porque minha mãe não gostava que ficássemos na rua e nem na casa do vizinho, mas não se importava se trouxéssemos todos eles para brincarem conosco no nosso quintal...
A nossa infância não foi o tempo todo um mar de rosas. Lógico que nos deparamos com alguns problemas financeiros e de desentendimento e tudo àquilo que se tem em uma família grande, mas todas as coisas ruins foram superadas por todos nós que sempre tivemos um espírito de equipe e cheios de sentimentos nobres dentro de nossos corações.
A cozinha, além de servir de local de preparo da comida, era o meu ponto de encontro favorito. Durante a refeição, a vida podia ser debatida, vivida, sonhada, bem como podíamos degustar da comida feita pela minha mãe e/ou pai, que mais parecia o manjar dos Deuses. Até hoje me dá água na boca só de pensar na polenta turbinada com carne de panela, verduras e legumes que era preparada e servida nos períodos de frio e no feijão refogado com bastante alho, cujo aroma me fazia flutuar em direção da cozinha. Troco qualquer banquete por um prato de comida feito em casa. Pena que não posso mais degustar de algumas delícias que meu pai preparava, pois ele partiu para sua nova jornada em 2008...
Algumas vezes, sem avisar, apresentavam-se mais bocas famintas e/ou os nossos coleguinhas eram convidados para fazerem uma boquinha conosco. Isso fazia com que houvesse a necessidade de colocar mais água no feijão ou se comer um pouco menos para poder a comida ser suficiente para todos. Por mais que fosse nos privar de alguma coisa, tínhamos um enorme prazer de dividir tudo que possuíamos para que todos pudessem ter o direito de comer pelo menos de um pouco de tudo, saciando a sua fome.
Não precisava ter uma ocasião especial para nos reunirmos e nem muito dinheiro, bastando somente imaginação e querência de ficarmos juntos. Jogar baralho, brincar em cima das árvores, caçar caju no cerrado, bater papo na varanda ou em volta de uma fogueira tomando Chapinha, um vinho de quinta categoria comprado por meio da vaquinha, jogar vôlei, construir carrinho de rolimã e pipa, quebrar vidro para fazer cerol etc.. Como coração de mãe, as portas da minha casa estavam sempre abertas para acolher a quem quisesse ser coberto de bem-querer.
E quando havia evento especial, nós limpávamos a casa e nos preparávamos para a chegada dos nossos convidados, vestindo a melhor roupa, acompanhada com o sorriso estampado no rosto e a fragrância de nossas almas perfumadas de alegria por recebê-los em casa e partilhar do que tínhamos de melhor: o nosso lar.
E o sentimento de se sentir em casa acompanhou a todos os que compartilharam do aconchego da minha família. Tanto que, quando meu pai fez sua passagem para a vida espiritual, uma das coisas que foram ditas e repitas por todos que prestaram suas últimas homenagens foi o reconhecimento de seu jeito anfitrião de ser de bem receber a todos. Entre e sinta-se como se estivesse em casa era o seu lema.
Assim não era necessário sair de casa para encontrar a felicidade, ela estava disponível o tempo todo ali mesmo para nós. Mesmo, plantada no meio de uma favela, a minha casa era um rico e fantástico lar cheio de cuidado, respeito, lealdade, bondade, ajuda mútua, apoio, atenção, boa vontade, prazer e alegria, coração aberto e muita entrega. Lá a atmosfera do amor era sempre uma constante que enchia os nossos corações e perfumavam nossa alma, dando a liga para a união de todos os membros da família e permitindo que se dividissem problemas, multiplicassem-se alegrias e eliminassem as desavenças.
Vivi em um lugar mágico que parece não ter mais fim... Lá era possível dar asas a minha imaginação e brincar de viver. A felicidade provinha normamente do convívio familiar, das coisas simples e corriqueiras da vida.
Fomos crianças felizes com tudo o que nós podíamos possuir. Nós não tivemos nada de supérfluo, mas tão somente tudo aquilo de que nós precisávamos para viver. Vivemos sempre em abundância, pois soubemos aproveitar tudo àquilo que nossos pais puderam nos oferecer, muitas vezes à base de enormes sacrifícios pessoais para tornar a nossa vida um grande parque de diversão.
E quando casei, fiz questão de trazer para minha nova casa um bocado de coisas que tinha aprendido na casa dos meus pais, ou seja, que basta está rodeada pela família para me sentir feliz. E até hoje sinto que não existe no mundo outro lugar melhor do que a minha casa... Por isso a volta para minha casa sempre é muito prazerosa.
 Enfim, a minha infância é uma memória viva. Basta nos reencontrarmos e começarmos a conversar para que essas lembranças nostálgicas venham à tona, como um filme,  fazendo-nos reviver os momentos de magia vividos em outrora. As recordações são de simples travessuras de furar lata de leite condensado e não deixar quase nada para preparar o pudim de leite, passando pela experiência do meu irmão de jogar um fósforo aceso dentro da garrafa de álcool e olhar para ver como é o processo de combustão...
E não nos cansamos de percorrer o caminho de volta das nossas lembranças até chegarmos ao nosso tempo de criança. Muitas vezes somos até estimulados pelos nossos filhos e sobrinhos que gostam de se divertir com os nossos causos, principalmente contados pelo meu irmão que possui uma veia artística da improvisação e de nos fazer rir com o seu jeito matreiro de ser.
Espero sinceramente que os meus filhos passem para os meus netos todo o aprendizado que tiveram a oportunidade de vivenciar no dia a dia do convívio familiar e de transmitir todo o amor que receberam de todos nós, dando continuidade às suas raízes e perpetuando a fonte de felicidade.

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